quarta-feira, 27 de agosto de 2008

(2008/3) Creatio ex materia antes de creatio ex nihilo

1. Que Gn 1,1-3 nem de longe fala em creatio ex nihilo (= criação a partir do nada) eu já sabia, Minha Tese de Doutorado vai além dela, mas passa exatamente por essa constatação. Mas, ainda lá, eu considerei que 2 Mac 7,28, ao contrário de Sab 11,17, falava, então pela primeira vez, em creatio ex nihilo. Assim, de um lado, Sab 11,17 (creatio ex materia) consistiria em uma espécie de versão mítico-filosófica (influência helênica) de Gn 1,1-3, ao passo que 2 Mac 7,28, ainda que constituindo, a seu tempo, também uma atualização mítico-filosófica de Gn 1,1-3, transbordara para uma inovação teológica - criação do nada.

2. Deparei-me, contudo, hoje, com um muito interessante artigo: Blake T. OSTLER, Out of Nothing: A History of Creation ex Nihilo in Early Christian Thought, The Farmer Review, n. 17, n. 2, 2005, p. 253-319. Ostler desmonta minha interpretação de 2 Mac 7,28, afirmando que, aí, não se fala de criação do nada, mas desde o "não-ser", uma conceção filosófica que se poderia remontar, segundo ele, a Aristóteles. Na seqüência, depois de analisar uma série de referências do Novo Testamento, do judaísmo rabínico da época neotestamentária, da literatura judaica extra-canônica e da literatura cristã do primeiro e segundo séculos da era cristã, Ostler afirma que "the doctrine of creatio ex nihilo seems to appear rather suddenly about ad 180 in the writings of Tatian and Theophilus in their arguments with Stoics and Middle Platonists" ("a doutrina da criação do nada parece ter aparecido mais seguramente por volta de 180, nos escritos de Tatian e Theophilus, em seus argumentos com estóicos e médio-platonistas" - p. 319).

3. De fato, como igualmente eu afirmara na Tese, 2 Pd 3,5-6 é testemunha de que, ainda tão tarde, cria-se na criação dos céus e da terra a partir da "água", bem como em sua manutenção no meio delas. Ostler analisa também essa passagem e, nesse ponto, além de Sab 11,17, concordamos.

4. Minha posição era de que a doutrina tradicional israelita/judaíta era a da creatio ex materia. Em período helênico, a doutrina teria se dividido - creatio ex materia (tradicional) de um lado, com Sab 11,17, e creatio ex nihilo (inovação), com 2 Mac 7,28. 2 Pd 3,5-6 testemunharia a tradição primitiva.

5. Ostler me força a rever essa posição. 2 Mac 7,28 ainda se situaria na tradição da creatio ex materia. Com isso, desde os primórdios, até 2 Pd 3,5-6, a tradição judaica (e, agora, judaico-cristã) ainda concebe a criação como creatio ex materia. A doutrina da creatio ex nihilo, então, teria surgido em época posterior. Segundo Ostler, no final do século II.

6. Bom material para investigações. Seja como for, saio feliz desse encontro. Parece que eu estava certo - não há nem sombra de creatio ex nihilo em Gn 1,1-3. A única sombra que há lá é a que o Templo de Jerusalém faz, quando o sol, nascendo, tem seus raios interceptados pela "criação"...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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