sexta-feira, 12 de setembro de 2008

(2008/8) Quase engasguei

1. Meus co-blogueiros do Peroratio, Haroldo e Jimmy, sabem que sou um crítico ácido da tendência "alegórica/metafória" da exegese, seja aquela, antiga, de caráter alegórico-cristológico, seja essa, mais moderna, de caráter metafórico-engajado. Independente de serem ou não úteis ou adequadas a suas respectivas ideologias de base - me causam urticária. Sinto mesmo falta de ar, diante delas. É um problema que tenho de resolver, talvez com alguns exercícios de yoga, não sei.

2. Nesse III Congresso da ABIB, uma cena foi reveladora. Eu esperava com ansiedade a conferência do Dr. André Chevitarese. Durante sua fala, uma frase foi repetida algumas vezes: "exegese é a atualização do passado no presente". A primeira vez que André a leu, eu devo ter dado um salto na cadeira - foi o que Jimmy me disse. Mais tarde, foi-me dito que Haroldo e ele divertiram-se com minha reação: o Osvaldo reclama de todo mundo, dizendo que todo mundo faz metáfora e alegoria, em vez de fazer exegese séria, e então, quando ele vai ouvir aquele que ele acha que, finalmente, vai defender a exegese séria na academia, ouve a defesa do círculo hermenêutico viciado!

3. De fato. Mas as coisas se esclareceram - a expressão "exegese" fora mal empregada. Eventualmente, logo veremos, será substituída. Com efeito, a própria conferência de André denunciava que, como se encontrava, a definição era desmentida pelo próprio exercício que a produzira, já que se tratava de uma tentativa metodológica de reconstrução da história da recepção de uma tradição judaica, a partir da iconografia - história, arqueologia, exegese. Quando Haroldo perguntou a Chevitarese se também as Ciências Humanas nada mais faziam do que atualizar o passado no presente, quem pulou para trás foi ele. E as coisas se esclareceram.

4. Eu devo me conformar. O mundo "bíblico" brasileiro, de um modo geral, não está primeiramente interessado em "exegese" histórico-social. Na maioria das vezes, usa-se um arremedo dela, desde que os resultados sejam adequados aos objetivos de uma panfletagem de missão - seja de direita, seja de esquerda. Que seja. Não é, contudo, aquilo que me interessa. Meu corpo não tolera uma prática dessas, consciente da "encomenda". Não diria que eu consigo fazer exegese hgistórico-crítica à prova de críticas - absolutamente. Mas, quando me indicam que o que eu estou dizendo não cabe no "evento" que procuro ouvir, e se me deixo convencer, envergonho-me de ter-me enganado, e, então, recomeço. Para mim, fazer afirmações que não se sustentam histórico-socialmente é um "crime" teórico-metodológico.

5. Mas foi sintomática a minha reação. No fundo, tenho apostado algumas fichas na aproximação entre a academia e a exegese, entre a História e a Exegese. Logo, logo, se depender de mim, terei migrado para lá. Jamais abandonarei a exegese, e eventualmente continuarei a postular, inconvenientemente, uma teologia pós-metafísica, sem compromissos marcadamente eclesiástico-normativos. Mas o que me anima, agora, é ter a esperança de encontrar um lugar onde se acredite, de fato, em pesquisa.

6. Há algumas toneladas de terra sobre cada uma das páginas da Bíblia. Engana-se quem acha que o Velho Testamento (a Bíblia Hebraica) está mais profundamente soterrada do que o Novo. Penso que a maioria das seguras afirmações que fazemos sobre os textos dessas duas bibliotecas careça de fundamentação situacional - seu "lugar vivencial", se não recuperado, sua condição de evento, se não reconstruída, põe-nos a perder. Minha esperança é que um acordo teórico-metodológico entre História e Exegese ajude-nos a trazer, para cima, porções consideráveis desse passado. Pôr luz nessas trevas. Apagar nossas luzes.

Osvaldo Luiz Ribeiro

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